terça-feira, 8 de março de 2011

Desenterrando um império (parte 1)

Você consegue imaginar um império tão poderoso e extenso como os egípcios desaparecendo na história e deixando poucos rastros arqueológicos? Por mais estranho que pareça, isso era tão possível que aconteceu. Em 1871, o que se conhecia a respeito dos hititas poderia ser sumarizado em sete linhas, como o fez a enciclopédia germânica Neus Konversationslexicon. Na realidade, o trabalho feito pelo autor do verbete “hititas” foi simplesmente o de juntar as referências esparsas encontradas nas páginas do Antigo Testamento e publicá-las.


Quem eram os hititas? Qual a sua relação com o relato bíblico? No que as descobertas envolvendo esse povo ajudam para a fé nas Escrituras Sagradas? Nesta série de artigos, apresentaremos de forma resumida o que a arqueologia bíblica tem a dizer sobre um dos maiores impérios da antiguidade.

Charles Texier: o ponta-pé inicial

Um nome importante envolvendo o estudo da hititologia é o do francês Charles-Felix-Marie Texier, que por volta de 1834 esteve no norte da Turquia, mais especificamente numa aldeia em Boghazköy. Ao que parece, ele foi o pioneiro em estudos naquela região. Próximo dali Texier se deparou com as ruínas de uma cidade, como Atenas no seu apogeu. A intuição era de que sem dúvida algum grande povo habitou ali passado. Um nativo da aldeia o levou até o lugar chamado Yazilikaya (rocha com inscrições), e foi ali que o pesquisador francês pôde ver os inumeráveis relevos de caráter litúrgico. Além disso, o local estava repleto de sinais semelhantes aos hieróglifos egípcios. Sua expedição, porém, foi sem sucesso na identificação das ruínas e dos sinais.

Pesquisadores alemães e franceses visitaram a região da Ásia Menor e ofereceram excelentes contribuições para os trabalhos de Texier. Ponto decisivo nesta história foram as chamadas “Pedras de Hamath”. Os moradores do local não permitiam qualquer contato com tais pedras, acreditando no seu caráter sobrenatural. É nesse ponto que entra a figura de William Wright. Ele já conhecia os objetos e conseguiu permissão do governo para aprofundar seus estudos utilizando-os. Texier conhecia as peças, mas não sabia o que eram. Em contra-partida, Wright tinha as inscrições, mas não sabia como traduzi-las.

Em 1870, W. H. Skeene e G. Smith, pesquisadores do Museu Britânico, encontraram as ruínas de Carchemish, na margem direita do Eufrates. Para surpresa deles, as imagens desenterradas eram semelhantes àquelas que Texier vira e as inscrições eram idênticas às que Wright tinha em mãos. Não apenas isso, mas alguns selos com a mesma escrita foram encontrados em Ismirna, na costa da Ásia Menor. Em outras palavras, uma escrita unificada de um povo unificado que habitou num vasto território.

Archibald Henry Sayce: a ousadia de um acadêmico

Foi nesse contexto que A. Henry Sayce, pesquisador oriental de 34 anos, afirmou, com base em suas pesquisas de campo e em passagens do Antigo Testamento, que todo esse rastro histórico pertencia aos antigos hititas, osheteus das páginas sagradas. A afirmação foi, é claro, recebida com descrédito. Como um livro religioso poderia conter dados históricos confiáveis? A informação bíblica parecia absurda demais. Em 2 Reis 7:6, por exemplo, os reis hititas são mencionados juntamente com os monarcas egípcios e, de forma curiosa, eles são mencionados antes que desses faraós.

Essa dúvida foi solucionada nos anos seguintes. A pá dos arqueólogos pôde revelar a existência de um poderoso império semelhante ao egípcio e ao babilônico, por volta do II milênio a.C., chamado de Hatti nos textos assírios, de Heta nas inscrições hieroglíficas e de heteus no Antigo Testamento.

Veredito: ossuário do irmão de Jesus é verdadeiro

Ela pesa 25 quilos. Tem 50 centímetros de comprimento por 25 centímetros de altura. E está, indiretamente, no banco dos réus de um tribunal de Jerusalém desde 2005. A discussão em torno de uma caixa mortuária com os dizeres “Tiago, filho de José, irmão de Jesus” nasceu em 2002, quando o engenheiro judeu Oded Golan, um homem de negócios aficionado por antiguidades, revelou o misterioso objeto para o mundo. A possibilidade da existência de um depositário dos restos mortais de um parente próximo de Jesus Cristo agitou o circuito da arqueologia bíblica. Seria a primeira conexão física e arqueológica com o Jesus do Novo Testamento. Conhecido popularmente como o caixão de Tiago, a peça teve sua veracidade colocada em xeque pela Autoridade de Antiguidades de Israel (IAA). Em dezembro de 2004, Golan foi acusado de falsificador e a Justiça local entrou no imbróglio. No mês passado, porém, o juiz Aharon Far¬kash, responsável por julgar a suposta fraude cometida pelo antiquário judeu, encerrou o processo e acenou com um veredicto a favor da autenticidade do objeto. Também recomendou que o IAA abandonasse a defesa de falsificação da peça. “Vocês realmente provaram, além de uma dúvida razoável, que esses artefatos são falsos?”, questionou o magistrado. Nesses cinco anos, a ação se estendeu por 116 sessões. Foram ouvidas 133 testemunhas e produzidas 12 mil páginas de depoimentos.

Especialista em arqueologia pela Universidade Hebraica de Jerusalém, Rodrigo Pereira da Silva acredita que todas as provas de que o ossuário era falso caíram por terra. “A paleografia mostrou que as letras aramaicas eram do primeiro século”, diz o professor do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp). “A primeira e a segunda partes da inscrição têm a mesma idade. E o estudo da pátina indica que tanto o caixão quanto a inscrição têm dois mil anos.” O professor teve a oportunidade de segurá-lo no ano passado, quando o objeto já se encontrava apreendido no Rockfeller Museum, em Jerusalém.

Durante o processo, peritos da IAA tentaram desqualificar o ossuário, primeiro ao justificar que a frase escrita nele em aramaico seria forjada. Depois, mudaram de ideia e se ativeram apenas ao trecho da relíquia em que estava impresso “irmão de Jesus” – apenas ele seria falso, afirmaram.

A justificativa é de que, naquele tempo, os ossuários ou continham o nome da pessoa morta ou, no máximo, também apresentavam a filiação dela. Nunca o nome do irmão. Professor de história das religiões, André Chevitarese, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, levanta a questão que aponta para essa desconfiança. “A inscrição atribuiria a Tiago uma certa honra e diferenciação por ser irmão de Jesus. Como se Jesus já fosse um pop¬star naquela época”, diz ele. Discussões como essa pontuaram a exposição de cerca de 200 especialistas no julgamento. A participação de peritos em testes de carbono-14, arqueologia, história bíblica, paleografia (análise do estilo da escrita da época), geologia, biologia e microscopia transformou o tribunal israelense em um palco de seminário de doutorado. Golan foi acusado de criar uma falsa pátina (fina camada de material formada por microorganismos que envolvem os objetos antigos). Mas o próprio perito da IAA, Yuval Gorea, especializado em análise de materiais, admitiu que os testes microscópicos confirmavam que a pátina onde se lê “Jesus” é antiga. “Eles perderam o caso, não há dúvida”, comemorou Golan.

O ossuário de Tiago, que chegou a ser avaliado entre US$ 1 milhão e US$ 2 milhões, é tão raro que cerca de 100 mil pessoas esperaram horas na fila para vê-lo no Royal Ontario Museum, no Canadá, onde foi exposto pela primeira vez, em 2002. Agora que a justiça dos homens não conseguiu provas contra sua autenticidade, e há chances de ele ser mesmo uma relíquia de um parente de Jesus, o fascínio só deve aumentar.